“Todas as formas de racismo ou de exclusão constituem, em última análise,
maneiras de negar o corpo do outro".
Humberto Eco.
Diferenças? Deficiências ? Igualdade ? Exclusão ? Cidadania ? Direitos? Escola inclusiva ? Sociedade excludente? Tantas são as questões que nos saltam à mente , quando começamos a falar em inclusão. À medida que aumenta nossa conscientização no que diz respeito à aceitação das diferenças individuais como um atributo dos indivíduos e não como obstáculo, amplia-se também o número de defensores e praticantes da filosofia de uma sociedade inclusiva.
Escola inclusiva. Combatida? Desejada? Utopia ? Devaneio ? A luta está travada e até aqui, foi longo o caminho. A idéia fundamental é a de adaptar o sistema escolar às necessidades dos alunos. A inclusão propõe um único sistema educacional de qualidade para todos os alunos, com ou sem deficiência e com ou sem outros tipos de condição atípica. A inclusão baseia-se em princípios fincados na valorização da diversidade humana, pela importância dada ao enriquecimento de todas as pessoas. Afirmando o direito de pertencer e não ficar de fora e o igual valor das minorias em comparação com a maioria. Trata-se não só de educação inclusiva, mas, de inclusão social.
Ao tratarmos a questão da inclusão social das pessoas com necessidades especiais com referência aos direitos e à cidadania, nos deparamos com a discussão e um dilema sobre os direitos à diferença e à igualdade.
"Temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza, temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza"
Boaventura de Sousa Santos.
Os riscos sociais de se colocar ênfase sobre a diferença ou sobre a igualdade são bastante sérios. Estas ênfases não estão isentas de sérias implicações sociais. Elas fazem com que saíamos, inadvertidamente, do campo da inclusão e passemos a reforçar, a despeito de nossas intenções, práticas e discursos excludentes.
A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) nos encaminha à discussão quando coloca como princípio a inclusão, reconhecendo a necessidade de se caminhar rumo à uma escola que inclua todos os alunos, celebrando a diferença, na luta pela igualdade. Toda pessoa tem o direito às suas singularidades que a tornam a pessoa que é. Da mesma forma, o direito à igualdade deve-lhe ser garantido, não sendo condenada a " deixar de estar" ou "deixar de pertencer" a qualquer processo, ou grupo, por procedimentos de segregação e/ou exclusão. No latim se emprega como sinônimas as expressões "morrer" e "deixar de estar entre os homens" (inter homines esse desinere). Desta forma entendo que excluir é condenar à morte e incluir é processo essencial à vida humana e à vida em sociedade.
Um dos segmentos da população que, reiteradamente, tem sido alvo de exclusão, é o composto pelos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais. Com a nova demanda por uma Educação Inclusiva, a escola tem diante de si um grande desafio, pois, historicamente, esteve a serviço das maiorias, preocupada com a homogeneização do processo e pessoas, reproduzindo e reforçando a filosofia de que o mundo foi feito para os ditos "mais aptos". O desafio que demanda essa escola inclusiva expressa a necessidade de mudanças efetivas na filosofia e estrutura do sistema de ensino brasileiro, visando garantir a todos sua igualdade de direitos. Não podemos negar que o foco por uma sociedade inclusiva, não pode ser perdido de vista. Não é só a escola que deve preocupar-se e transformar-se para incluir a todos com qualidade. A sociedade inclusiva deve ser buscada, pois, nela não se quer apenas "abrir espaço para o deficiente " ou "aceitá-lo", num gesto de solidariedade. Na sociedade inclusiva somos apenas – e isto é suficiente- cidadãos responsáveis pela qualidade de vida do nosso semelhante, por mais diferente que ele seja ou nos pareça ser.
Buscar um mundo e uma escola inclusivos significa enfrentar o desafio de impregnar a sociedade com bons motivos que garantam a ampla convivência de pessoas deficientes e não deficientes. Vivemos em um mundo onde todos têm pressa, muita pressa. A vida nas grandes cidades pode ser comparada a uma grande avenida. A maioria da população anda bem nessa avenida. Ninguém para. Só consegue entrar nesta avenida quem tem muita sorte e é hábil na direção. E os que precisam ou desejam andar mais devagar? Devem ser excluídos do direito de andar na avenida? Quem sabe colocar sinais, regras, pistas para quem precisar andar mais devagar? (Werneck) Eles não deixarão de andar e estar. Terão suas necessidades atendidas. Aí se encontra um dos desafios da escola, considerar a diversidade, transformar-se para atender a todos.
A seguir relacionarei alguns desafios que a meu ver, a escola de hoje tem diante de si rumo à uma escola que garanta os direitos à diferença e à igualdade de todos os alunos, acolhendo-os como pessoas e cidadãos. Não bastam modificações nos prédios com instalações de rampas e espaços destinados aos portadores de necessidades educativas especiais, como banheiros ou mesas apropriadas. Estas modificações são essenciais e devemos lutar por elas, mais entendo que a escola precisa, além disso, retirar seus entraves filosófico-metodológicos que podem ser até mais nocivos que a falta de corrimãos em escadas ou outra qualquer medida que vise facilitar a acessibilidade dos portadores. De que adianta uma escola adaptada se ela não acolhe a todos, pelo contrário, expulsa, exclui aquele que mais precisa dela.
DEZ DESAFIOS A CONSIDERAR
1 - Acreditar na inclusão colocando em prática princípios da pedagogia do sucesso
... Respeitar o direito que todas as pessoas têm à educação e que os portadores de necessidades educativas especiais devem ser incluídos em escolas comuns da comunidade, sem dificultá-las o acesso à escola com manobras, negando-lhes seus direitos.
... Acreditar que todos os educandos, portadores ou não, conseguem desenvolver habilidades, pois possuem capacidade de aprender.
... Respeitar o potencial de cada aluno e aceitar todos os estudantes igualmente, respeitando suas diferenças individuais
2 - Investir na Formação Inicial e continuada dos professores
...Preparar apropriadamente todos os educadores constitui-se um fator-chave na promoção de progresso no sentido do estabelecimento de escolas inclusivas.
...Treinamento pré-profissional deveria fornecer a todos os estudantes de pedagogia de ensino primário ou secundário, orientação positiva frente à deficiência, desta forma desenvolvendo um entendimento daquilo que pode ser alcançado nas escolas através dos serviços de apoio disponíveis na localidade.
... Fornecer informações sobre recursos externos à escola e intermediar a conexão com pessoas e entidades que possam ajudar o trabalho do professor visando o desenvolvimento do aluno.
3 - Ampliar a visão e mudar suas estratégias e ensino e aprendizagem
... Dar oportunidade aos alunos de aprenderem uns sobre os outros, reduzindo o estigma experienciado quando os alunos são colocados em classes separadas.
... Utilizar as experiências de vida do próprio aluno como fator motivador da aprendizagem do mesmo. Com isso adotar uma abordagem centrada no aluno.
... Estar mais interessada naquilo que o aluno deseja aprender do que em rótulos, laudos ou estereótipos sobre ele.
... Saber que, nos programas, os seguintes métodos são eficientes: experiências com linguagem, histórias e outros textos sobre temas que o aprendiz conhece; aprendizagem assistida por computador; material disponível no cotidiano do público; leitura assistida ou pareada usando livros convencionais e livros adaptados; debate após atividade extraclasse; coleção de histórias de vida dos próprios alunos; uso da lousa para escrever um texto em grupo; colagem com recortes de revistas, uso de material concreto, entre outros.
... Estimular outras pessoas importantes na vida do aluno a se envolverem com o processo educativo.
4 - Capacitarem-se para utilizar novas formas de avaliação escolar
... Ser flexível nos métodos de avaliação, pois sabemos que os testes, provas e exames provocam medo e ansiedade nos alunos além do mais saber que conhecimento, aprendizagem não se quantifica.
... Adotar uma abordagem de avaliação, cujos resultados propiciem reflexão sobre todo o processo e possa servir de ajuda na solução de problemas e dificuldades encontradas no processo por professores e alunos.
... Saber que a aprendizagem deve estar baseada nas metas do aluno.
5 - Estar atenta à acessibilidade, com qualidade.
... Considerar que os alunos devem freqüentar classes comuns com colegas não deficientes da mesma faixa etária. Esta experiência assegura aos alunos deficientes e não-deficientes crescimento, e exercício da cidadania.
... Saber que precisa prover suportes (acessibilidade arquitetônica, atendestes pessoais, profissionais de apoio, horários flexíveis etc.) a fim de incluir todos os alunos.
... Estar preparada para indicar recursos adequados a cada necessidade dos alunos, tais como: livros, entidades, aparelhos, etc.
6 - O papel do professor é ensinar a todos os alunos
... Saber que o professor tem a responsabilidade de educar tanto as crianças sem deficiência como aquelas com deficiência. Tem também a responsabilidade de assegurar que o aluno deficiente seja um membro integrante e valorizado da sala de aula, que tem potencialidades e capacidade para aprender. Enquanto profissional deve buscar formação para estar preparado para desempenhar seu papel da melhor forma possível.
7 - Currículos adequadamente adaptado
... Entender que Educação Inclusiva significa que os alunos com deficiência estão sendo ensinados no mesmo contexto curricular e instrucional com os demais colegas de sala de aula. Materiais curriculares comuns podem precisar ser adaptados, mas somente até o nível necessário para satisfazer as necessidades de aprendizagem de qualquer aluno.
8 - Métodos instrucionais diversificados
...aplicar às classes de hoje, marcadas pela diversidade humana, os seguintes métodos: instrução multinível, a comunicação total, a aprendizagem por cooperação, aprendizado baseado em atividades, música, trabalho com o corpo, tentando atender às diferenças, preferências e ritmos individuais
9 - Colaborações entre professores e outros profissionais
...Estimular o diálogo, apoio e troca entre professores e o acesso dos terapeutas e consultores à sala de aula, em vez de retirar alunos de lá, beneficiando a prática educativa não só com relação aos portadores, mas a todos em geral.
10 - Inclusões do aluno na vida social da escola
... Saber que os alunos é parte importante do mundo, devendo ser incluidos nos relacionamentos e interações sociais. Assim como os demais alunos, aqueles com deficiência também precisam participar da vida social da escola como, por exemplo, conduzindo visitantes pela escola, ajudando da mesma forma que os alunos não-deficientes. Quanto mais presentes estiverem esses componentes, maiores serão as chances de que a escola incluirá crianças e jovens portadores de deficiência.
Bibliografia
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. Compreendendo a deficiência. São Paulo, Editora Scipione, 1988.
MAZZOTTA, Marcos J. da S. Educação Escolar: Comum ou Especial? São Paulo, Pioneira, 1986, p.117.
WERNECK, C. Ninguém mais vai ser bonzinho, na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro, WVA, 1997.
. Muito Prazer, eu existo. Rio de Janeiro, WVA, 1992.
. Um amigo diferente. Rio de Janeiro, WVA, 1992.